Introdução
O período compreendido entre o século V e o século XV, chamado idade média, foi e continua sendo, desde o século XIV, apropriado/reelaborado de diferentes formas. O retorno ao medievo, ocorrido no último quarto do século XX, segundo Paul Zumthor, deve-se, apesar da alteridade, ao fato de que este período seja apreendido como a base da sociedade contemporânea. Sustenta-se que, para além desse argumento, trata-se de uma “base” em um contínuo processo de reinvenção, sobretudo, a partir do século XXI. Assim, a perspectiva por meio da qual este ensaio foi redigido compreende o relato hagiográfico de são Raimundo de Peñafort – publicado no site institucional dos Arautos do Evangelho(https://www.arautos.org/) – como “medieval”. Esta instituição, deliberadamente, utiliza-se do medievo com o propósito de autolegitimar e autossacralizar a sua ação evangelizadora.
Portanto, defende-se a hipótese de que, em uma cultura marcada pelo cristianismo como a brasileira, a utilização de uma estratégia discursiva, pautada em uma narrativa de volta ao medievo, confere legitimação a quem a profere. Assim, utilizar-se-á a teoria do medievalism que pode ser definida, entre outras formas, pela apropriação e pela recepção feita do medievo. E, segundo Francis Gentry e Ulrich Müller, um dos quatro modelos distintos de recepção medieval é, especificamente, a “political-ideological reception of the Middle Ages” significando como: “medieval works, themes, ‘ideas’ or persons are used and ‘reworked’ for political purposes in the broadest sense, e.g., for legitimization or for debunking (in this regard, one need only recall the concept ‘crusade’ and the ideology associated with it)” (Gentry and Müller 1991).

Algumas informações sobre os Arautos do Evangelho
Segundo a própria descrição do grupo, os Arautos do Evangelho são uma associação internacional privada de fiéis para o direito pontifício (http://www.arautos.org/secoes/arautos/quem-somos/Arautos-do-Evangelho-136523) que foi reconhecida pela Santa Sé em 22/02/2001; está presente em 57 países espalhados pelo mundo, tais como EUA, Canadá, Itália, África do Sul, Brasil (local de origem), Argentina, Chile, Hungria, entre outros.
Os Arautos, como são reconhecidos, foram fundados pelo Monsenhor João Clá que possui doutorado em direito canônico pela Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino, de Roma e em Teologia pela Universidade Pontifícia Bolivariana de Medellin. Assumidamente de orientação teológico “tomista”, Mons. João Clá também fundou o Instituto Filosófico Aristotélico Tomista (IFAT) e o Instituto Teológico São Tomás de Aquino, assim como o Instituto Filosófico-Teológico Santa Escolástica, para o ramo feminino:(http://www.joaocladias.org.br/curriculum.asp).

Em sua maioria, os membros dos Arautos não professam votos, à exceção dos que seguem o sacerdócio, permanecendo leigos. Além disso, existem os “cooperadores” que aderem a diretriz espiritual, político e filosófica da associação, mas permanecem com suas atribuições profissionais e cotidianas.
Como síntese de sua “missão” e de sua finalidade, os Arautos, em um dos primeiros artigos do seu estatuto, afirmam que: “Esta Associação (…) nasceu com a finalidade de ser instrumento de santidade na Igreja, ajudando seus membros a responderem generosamente ao chamamento à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade, favorecendo e alentando a mais íntima unidade entre a vida prática e a fé. (…) Além disso, a Associação tem como fim a participação ativa, consciente e responsável de seus membros na missão salvífica da Igreja através do apostolado, ao qual estão destinados pelo Senhor, em virtude do Batismo e da Confirmação. Devem, assim, atuar em prol da evangelização, da santificação e da animação cristã das realidades temporais”(http://www.arautos.org/secoes/arautos/quem-somos/Arautos-do-Evangelho-136523).
No que se refere à “evangelização”, os Arautos utilizam-se de atividades artísticas e culturais, sobretudo, relacionadas à música, bem como atividades intelectuais, tais como a publicação de revistas e de artigos online. Dentre estes artigos, publicados em forma de pequenas hagiografias, destacam-se os referentes aos santos de origem medieval. Devido aos limites deste ensaio, optou-se por analisar duas destas hagiografias, analisadas a seguir.

O uso da santidade medieval: as hagiografias de são Raimundo de Peñafort
Definir uma hagiografia apenas como escritos que tratam dos santos ou da santidade é um simplismo, o seu estudo está para além do culto aos santos (Philippart 1998: 11). Ao se escrever sobre as hagiografias, mencionam-se as vidas dos santos e as paixões (Vita/Passio). Contudo, não são os únicos tipos existentes, pois são conhecidas através de calendários, martirológicos, inscrições, livros litúrgicos, litanias, hinos, iconografias etc. (Gaiffier 1977: 140). Embora a hagiografia não seja um gênero literário particular, apresenta especificidades, porque as vidas são baseadas no modelo de Cristo e em outros modelos bíblicos (Goullet 2004: 8-22). Elas não podem ser vistas como algo “realista”, mas devem ser entendidas como um modelo a ser seguido, considerando a edificação.
Ao modelo bíblico e de Cristo, base “imóvel” da hagiografia medieval, é acrescentado um ideal de santidade que varia segundo a época. Para cada período histórico, seria possível delimitar uma série de topoi recorrentes ao discurso de santidade. Tais lugares-comuns são estereotipados, e, no caso da santidade medieval, considera-se a existência dos modelos, infra, em torno dos quais a narrativa era elaborada. Os hagiógrafos davam ênfase em um ou mais elementos, mas, no caso do medievo, as temáticas giram, frequentemente, em torno dos seguintes estereótipos:
1) O nascimento como fruto da vontade de Deus;
2) O nascimento, geralmente, está envolto no maravilho, como, por exemplo, a presença de sinais providenciais;
3) O santo é um precoce do ponto de vista intelectual e espiritual;
4) Frequentes complôs do diabo, que sempre tenta desviar o santo do seu caminho (geralmente, o diabo encarna-se em pessoas, e.g., inimigos dos santos);
5) O santo é dotado de virtudes, são uma espécie de catálogo de virtudes;
6) A exemplaridade da sua vida é incontestável, expressa por atos concretos tais como a caridade, a esmola e, principalmente, os milagres, que revelam a virtude ou o poder dos santos de conseguirem obter junto a Deus a realização de fatos sobrenaturais;
7) Passam por humilhações, sofrimentos, rebaixamentos: têm uma espiritualidade caracterizada pela dualidade entre o corpo, o espírito e pelo caráter transitório das coisas;
8) Há, às vezes, uma tensão entre as solicitações do mundo e o desejo de retirar dele;
9) O santo é, frequentemente, avisado da sua morte por uma visão (Goullet 2004: 17-18).
Dos elementos relacionados acima, os itens 1, 3, 5 e 7 encaixam-se, perfeitamente, à vida de são Raimundo relatada no site dos Arautos do Evangelho, além de se poder ainda relacionar a sua vida à de várias hagiografias medievais de membros da ordem dominicana, devido à grande ênfase data em sua erudição, usada na conversão e no combate às heresias. Outrossim, é importante destacar que, no medievo, não havia uma perspectiva crítica em relação às vidas narradas. Assim, os elementos de uma religião encantada, mágica e maravilhosa pululam nas hagiografias desse período. Notou-se a mesma perspectiva acrítica nas hagiografias publicadas pelos Arautos do Evangelho.
Especificamente, no que diz respeito às hagiografias publicadas pelos Arautos sobre Raimundo de Peñafort, consideram-se os dois artigos expostos no site referente à sua “vida”. Em razão dos objetivos deste ensaio, não se realizará uma análise comparativa entre eles; ao contrário, estes serão tomados em conjunto a fim de investigar a construção e elaboração discursiva contemporânea que se formula em relação à idade média, sobretudo, no que se refere às apropriações do medievo para legitimar esta associação.
O início da hagiografia de são Raimundo mantém os topoi das hagiografias medievais. Trata-se de um santo de beata estirpe (Vauchez, 1974: 398), filho dos reis de Aragão, que, desde a infância, aparece predestinado mediante sua vocação para o “estudo e oração”, como também de sua linhagem. Ora, trata-se de um santo dominicano, portanto, afeito ao ensino. Outra característica importante que as hagiografias ressaltam, é a sua “genialidade”, pois, com apenas com 20 anos, já era professor de artes livres em uma universidade em Barcelona.

Dando continuidade ao relato de Raimundo de Peñafort, um novo topos, da santidade da baixa idade média, é utilizado na narrativa. Enfatiza-se a sua relação com a pobreza; ele é apresentado pelos Arautos como alguém que jamais se esqueceu dos pobres e que sempre cuidou pessoalmente deles. Além disso, as suas características como professor, erudito e defensor da ortodoxia são sempre reafirmadas pela narrativa. Esses aspectos são fundamentais, uma vez que servirão de base para sua ação evangelizadora, cujo resultado foi a conversão de muitos “árabes e judeus”.
Por volta de 1220, são Raimundo foi convocado para ser confessor do então papa Gregório IX. Nesta parte do relato, é apresentada a importância, exercida por este santo, junto à promoção do direito canônico, através de sua atuação na redação das “Decretais de Gregório IX”. Ora, esta ênfase não é obra do acaso, pois, em sua formação, João Clá, era um doutor em direito canônico. Conforme o texto destaca, estas são importantes para o direito canônico até os dias de hoje. Ou seja, há o estabelecimento direto de uma continuidade entre o legado do santo medieval e o presente representado pela trajetória e pela atuação intelectual dos Arautos, através do direito canônico, visto como um patrimônio da Igreja, estabelecido no medievo, a vida de são Raimundo une-se à de João Clá.
O 1º Artigo não apresenta a data certa de entrada do santo na ordem dominicana, já o 2º afirma que foi em uma Sexta-feira Santa de 1222. Além disso, ambos relatam que Raimundo foi eleito superior geral da Ordem. Independentemente, da questão da data, destaca-se o peso simbólico da data da Sexta-feira Santa para o contexto do cristianismo, grosso modo, representa uma passagem e um renascimento. Após percorrer todos os conventos dominicanos a pé (prática comum desta ordem no medievo, porém, na forma como isso foi relatado pelo site dos Arautos, nota-se uma intenção de se utilizar da função exemplar do santo, tal como na idade média), são Raimundo retira-se a fim de “se dedicar à vida solitária de orações e penitência”, mas permanece sempre atendendo aos pobres. Como recompensa, a sua fama de santidade, bem como os dons dados por Deus aumentam cada vez mais.
(http://www.arautos.org/secoes/servicos/santodia/sao-raimundo-de-penafort-139968)
No final do Artigo 1, a narrativa dos Arautos retoma uma série de aspectos essenciais das hagiografias medievais, notadamente, das obras dominicanas do século XIII, como, por exemplo, a “Legenda Áurea” (mais notável entre todas as compilações de santos do medievo em função de sua imensa popularidade), cita-se:
“Por inspiração, aos setenta anos, Raimundo voltou ao ensino. Fundou dois seminários onde o ensino era dado em hebraico e árabe, para atrair judeus e mouros ao Cristianismo. Em pouco tempo, dez mil árabes tinham recebido o batismo. Foi confessor do rei Jaime de Aragão, ao qual repreendeu pela vida mundana desregrada. Também o alertou sobre o perigo que o reino corria com os albigenses, facção da seita dos cátaros, que estavam pregando uma doutrina contrária e desta maneira conseguiu que fossem expulsos. Era um escritor valoroso, a sua obra, ‘Suma de Casos’, continua sendo usada pelos confessores”.
(http://www.arautos.org/secoes/servicos/santodia/sao-raimundo-de-penafort-139968).
Aqui, elementos como: ensino, evangelização, combate aos “heréticos”, apresentados somente pelo nome, conversão de árabes e judeus, bem como embate com o poder temporal são retomados, finalmente, o rei Jaime é repreendido por são Raimundo. O artigo 2 também apresenta tais elementos, contudo, no que se refere à relação entre o rei Jaime e são Raimundo, mais detalhes são apresentados. Menciona-se que Jaime era senhor da ilha de Maiorca, localizada a 360km de Barcelona. Este convida Raimundo para uma viagem até a ilha, todavia, durante a viagem, o “procedimento moral” do rei deixava a desejar e, por isso, Raimundo o repreendia a ponto de exigir que se parasse o barco para que ele, pela fé, pudesse descer e caminhar sob as águas tal como Pedro.
O rei, no entanto, não consente e ameaça o santo de modo que, ao chegar a ilha de Maiorca, este último passou a ser constantemente escoltado. São Raimundo, todavia, pede para caminhar sozinho na praia quando tal situação é apresentada: “Sob o olhar estupefato dos soldados, ele estendeu seu escapulário de lã sobre as águas do mar, e nele ‘embarcou’. Após agasalhar-se com parte de seu manto, içou a outra ponta ao seu bastão, constituindo uma vela. O resto… foi só invocar o santo nome de Maria, a Senhora dos ventos, de quem era fiel devoto. Um sopro suave, mas veloz, impulsionou o veleiro de Deus e em menos de seis horas ele chegava ao porto de Barcelona, vencendo milagrosamente a distância de 360 km que separam a Ilha de Maiorca dessa cidade espanhola”. (http://www.arautos.org/secoes/artigos/especiais/sao-raimundo-de-penafort-um-homem-para-todas-as-missoes-143534.).
Este relato deixa claro a atuação de Deus em prol do poder sagrado quando este é confrontado pelo rei, representante do poder temporal. A consequência desta viagem milagrosa é o reconhecimento do rei da autoridade de Raimundo e, portanto, da própria Igreja e dos que dela participam. Nesta parte da narrativa, é importante pensar os papéis da exemplaridade e da moral subjacente à historieta, ou seja, Deus, para provar que o temporal deve se submeter ao espiritual, faz coisas inacreditáveis. Portanto, todos, sem exceção, devem se submeter à autoridade da Igreja, aqui, sutilmente, evoca-se o princípio da auctoritas medieval.
Conforme apontado anteriormente, elementos como o embate entre os poderes temporal e o espiritual, bem como combate à heresia, a evangelização, a caridade, etc., cumprem rigorosamente aspectos presentes em obras e hagiografias medievais, como na “Legenda Áurea”. O importante, a ser destacado, todavia, é a operação narrativa que estas hagiografias servem em pleno século XXI, no momento em que são inseridas em um site altamente elaborado de uma associação religiosa.
Como fora destacado, por um lado, existe um aspecto de legitimação da atuação dos Arautos, visto que a vida apresentada de são Raimundo de Peñafort enquadra-se perfeitamente aos propósitos e aos objetivos atuais da Associação, seja em razão de seu impulso evangelizador, seja em razão da afeição aos estudos e proeminência do direito canônico (tal como o defendido pelo seu fundador João Clá). Finalmente, sublinha-se ainda um aspecto indicado pelo artigo 2 acerca da vida de Raimundo – ele é um santo “factótum”, isto é, um santo “faz tudo” na obra de Deus. Em outras palavras, Raimundo é chamado para acudir a Igreja em todas suas necessidades, trata-se de um santo universal tal como a Associação dos Arautos.
Além disso, há o aspecto da memória, ou melhor, do discurso acerca do passado medieval veiculado no site dos Arautos, especialmente, por meio destas hagiografias. Através da hagiografia de um santo medieval, a idade média é reapresentada e reelaborada, mas com contornos próprios, os quais não se pode, necessariamente, serem chamados de “medievais”. Tem-se, portanto, uma “outra” idade média. Neste caso, um medievo encantado, espaço de submissão da agência humana aos desígnios da Providência, logo, nem obscura, nem intolerante, mas, literalmente, encantada e, por conseguinte, uma idade média afeita aos Arautos e a sua missão no mundo.
O dado mais relevante destas narrativas é que, por meio da teoria do medievalism, pode-se repensar o próprio lugar da religião no mundo contemporâneo. Todo o discurso acerca do desencantamento do mundo, nascido no século XVIII, reafirmado no final do século XIX e em boa parte do século XX, pode ser questionado por um movimento, em diversas frentes, de séries de televisão, passando pelos jogos de vídeo game, até chegar a grupos religiosos como os dos Arautos, cujo propósito é se autolegitimar trazendo para o aqui e agora a idade média. Esta temporalidade, ou melhor, esta atemporalidade, passou a ser constantemente reelaborada, tal como no caso das hagiografias analisadas neste texto, a fim de oferecer ao homem do século XXI um lugar encantado e mágico no qual tudo é possível, principalmente, em termos religiosos.
No limite, este movimento amplo de reapropriação/reelaboração da idade média coloca mesmo em cheque os grandes paradigmas das ciências sociais nascidos no iluminismo. Ironicamente, a própria forma de corroborar a santidade de são Raimundo, jamais seria aceita pelos pressupostos católicos, nascidos no contexto da contrarreforma. Essa forma maravilhosa como são Raimundo consegue retornar a Barcelona seria, certamente, rechaçada por qualquer jesuíta da contrarreforma, afinal é demasiadamente maravilhosa, mesmo para um santo. Sublinha-se a ausência da crítica histórica em relação ao texto da hagiografia, ele é tomado como um dado inquestionável; sustentada, única e exclusivamente, pela autoridade do autor da hagiografia, ou seja, uma completa submissão da história à teologia, tal como no medievo.
Dessa forma, abandona-se toda a reflexão teológica após a contrarreforma, ocasião em que o paradigma da representação dos santos nas hagiografias foi modificado devido às críticas aos elementos maravilhosos. Desde então, o debate sobre a santidade e a forma “correta” para se escrever uma hagiografia estão diretamente ligados ao trabalho dos bolandistas belgas, que, desde o início do século XVII, produziram um “método científico” para os estudos de hagiografias (Peeters 1961). Todo o procedimento crítico proposto por estes jesuítas foi abandonado pela narrativa trazida pelo site dos Arautos do Evangelho.
Esses jesuítas que reescreveram a história dos primeiros mártires cristãos, desprezaram aquilo que consideravam como a linguagem ingênua dos medievais, especificamente os elementos de uma religião encantada marcada pela ação do maravilhoso. Acreditavam que, para promover as virtudes dos santos, era necessário que os textos fossem estabelecidos de forma “científica”. A forma como são Raimundo retorna a Barcelona em sua hagiografia seria considerada, pelos bolandistas, como um traço medievalizante capaz de desmerecer as suas virtudes de santo. Contudo, para os membros da Associação dos Arautos é um traço importante da santidade de Raimundo que deve ser enfatizado para promover a ação evangelizadora deste grupo. Ora, não se trata de um grupo qualquer, muito menos de um site “ingênuo”, cada detalhe, da iconografia às hagiografias disponíveis, passou por um processo de “criação”, ou seja, as informações dadas estão de acordo com um tipo de espiritualidade (Vauchez, 1995) e de um tipo de santidade cujo medievo é o carro chefe.
O site utiliza, deliberadamente, uma série de elementos medievais com o objetivo de plasmar a imagem dos Arautos ao medievo, como um tempo em que a sociedade vivia de forma “correta”, portanto, sob a tutela da Igreja. Assim, os Arautos apresentam uma idade média, que não é nem a do obscurantismo, cara ao imaginário ocidental do século XVI, nem uma idade média “nacionalista”, do século XIX e de grande parte do século XX, e, muito menos, uma idade média das “minorias” e do “exotismos” à moda francesa dos Annales, mas sim uma idade média encantada, na qual o poder de Deus tudo pode, e os santos estão lá para provar isso. Certamente, as idades médias do obscurantismo, do nacionalismo, dos franceses já foram demasiadamente estudadas, porém, são todas, quer gostem ou não os medievalistas, tais como o medievo encantado, apropriações discursivas cuja proposta teórica do medievalism surge como uma forma interessante de apresentar problemas contemporâneos, sobretudo, de se questionar o porquê de se retomar a idade média para legitimar movimentos religiosos como os dos Arautos.

Referências
Clinio de Oliveira Amaral é professor associado de história medieval da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil, pesquisador do Linhas(Núcleos de estudos sobre narrativas e medievalismos, cf. https://linhas-ufrrj.org/) e coordenador do LABEP (Laboratório de estudos dos protestantismos).

João Guilherme Lisbôa Rangel é mestre e doutorando pelo PPHR-UFRRJ, pesquisador do Linhas (Núcleos de estudos sobre narrativas e medievalismos, cf. https://linhas-ufrrj.org/) e do LABEP (Laboratório de estudos dos protestantismos). O trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de financiamento 001.
Gaiffier, Baudouin de (1977) Hagiographie et historiographie. Quelques aspects du problème. Collection Subsidia Hagiographica. Bruxelles: Société des Bollandistes, nº 61 Recueil d’Hagiographie (1967-1977), p. 139-196, 1977.
Gentry, Francis G. and Müller, Ulrich (1991) ‘The reception of the Middle Ages in Germany: an overview’. Studies in Medievalism. III/4. p. 401. Disponível em: http://medievallyspeaking.blogspot.com/2010/04/what-is-medievalism.html. Acesso em 24 de julho de 2018.
Goullet, Monique (2004) ‘Introduction’. In: Wagner, Anne. Les saints et l’histoire. Sources hagiographiques du Haut Moyen Âge. Paris : Éditions Bréal, p. 8-22.
Peeters, Paul (1961). L’oeuvre des Bollandistes. Bruxelles : Société des Bollandistes.
Philippart, Guy (1998) ‘L’hagiographie comme littérature: concept récent et nouveaux programmes?’, Revue des Sciences Humaines, nº 251, p. 11-39. juillet-septembre.
Vauchez, André (1974). ‘Beata Stirps’ : Sainteté et lignage en Occident aux XIIIe et XVe siècles. In : ÉCOLE FRANÇAISE DE ROME. Famille et parenté dans l’Occident médiéval. Actes de : Colloque de Paris organisé par l’École Pratiques des Hautes Études en collaboration avec le Collège de France et l’École Française de Rome. Paris, 6-8 juin 1974. Paris : École Française de Rome et Palais Farnèse, pp. 397-407.
Zumthor, Paul (1980). Parler du moyen âge. Paris: Les Éditions de Minuit.
Sites :
http://www.arautos.org/secoes/artigos/especiais/sao-raimundo-de-penafort-um-homem-para-todas-as-missoes-143534
http://www.arautos.org/secoes/servicos/santodia/sao-raimundo-de-penafort-139968
http://www.joaocladias.org.br/curriculum.asp
https://www.arautos.org/

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s